sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Carta a um ilustre aniversariante

Caro amigo,

Fiquei muito preocupada contigo depois que no último dia 20 de janeiro, São Sebastião, seu padroeiro, comentou comigo que você andava meio cabisbaixo e se sentindo um pouco abandonado. Eu entendo que todo aniversariante vive, de algum modo, um momento de reflexão ao completar mais um ano de vida. E com você não seria diferente. Ainda mais para alguém que irá completar 444 anos de muita história. Mas, caro aniversariante, sorria, pois a era de astecas, incas e maias terminou. Apesar de anos de completo abandono por parte daqueles que deveriam ter cuidado de você, continuas lindo, com uma beleza natural digna de cenário de filme de Bruno Barreto com muita bossa nova como trilha sonora. E olha que em tempos de botox, carbox e afins, beleza natural é coisa rara de se ver.

Faz décadas que freqüento a sua vizinhança, as suas praias, as suas ruas. Faz décadas que fico inebriada por sua estonteante beleza (eu e dezenas de celebridades que se transformam em tietes diante de você). E como uma boa amiga que sou não poderia deixar de lhe presentear com algo em seu aniversário. Porém, a tal crise internacional afetou um pouco meu bolso, apesar de nosso presidente ter dito que isso não aconteceria por aqui. Por isso, resolvi lhe escrever essa carta para que saibas que não esqueci de você. Como esquecer de alguém tão importante em minha vida? Alguém que me viu crescer, namorar, casar. Sei que escrever carta está meio fora de moda, mas sou nostálgica mesmo. Fazer o quê?

Queria muito era ter o poder de voltar no passado só para ver suas ruas e avenidas livres de tantos carros e mendigos. Lamento muito que hoje precise conviver com tanta poluição, trânsito e violência. Imagino como deve se sentir ao presenciar choque de ordem e tropas de elite atuando no seu pedaço. Mas não se preocupe porque se eu encontrar uma máquina do tempo, juro que te convido para viajar comigo, combinado? Assim, quem sabe, podemos juntos tentar evitar que sejas trocado por um planalto que abriga até hoje tantos espécimes corruptos.
Mas preciso te confessar uma coisa. É que apesar de toda a minha admiração por quem é e pelo que representa em minha vida e na de tantas pessoas que conheço, tem algo que discordo de você. Sei que tem muito orgulho em ser anfitrião da mais antiga das festas profanas (só presta atenção porque nas redondezas tem rolado um axé que pode mudar essa história e dar um babado novo). Não que eu não goste de pierrôs e colombinas que, aliás, estão em falta. Meu problema é com a confusão. É com o caos que se instala toda vez que a festa começa. E olha que a cada ano tem começado mais cedo. Os blocos invadem as ruas e eu não consigo sair de casa. Por isso, meu amigo, não me leve a mal, mas realmente não gosto deste tal de carnaval. Como gosto muito de você, espero realmente que me compreendas e não brigues comigo por isso.

Ah! Já ia me esquecendo. Outro dia fui visitar um grande amigo seu. Aquele que ganhou o status de uma das sete novas maravilhas do mundo moderno. Ele me disse que continua de braços abertos sobre a Guanabara, baía à margem da qual você cresceu. Aliás, ficamos tentando imaginar qual não deve ter sido a emoção que sentiu Gaspar de Lemos, o explorador português, quando a avistou pela primeira vez. Conversamos por horas, falamos muito sobre o seu passado. Lembramos quando os franceses tomaram conta de você até que finalmente Estácio de Sá conseguiu a custa de muita luta a sua guarda. Lamentamos ambos não termos estado presentes durante seu nascimento. A nossa prosa, como costumam dizer seus primos mineiros, avançou madrugada adentro. Relembramos o período colonial, imperial e relembramos também aquela época em que você foi o lugar mais importante da República.

Pois é, hoje as coisas são bem diferentes. Mas, não deixe ninguém te diminuir nem falar mal de você. Posso lhe garantir que você, ilustre aniversariante, continua lindo. Continua sendo o Rio de Janeiro, fevereiro e março. Por isso, te deixo aquele abraço!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Viver ou sobreviver: qual a diferença?

Pode parecer bobagem, mas essa é uma pergunta que deveríamos nos fazer em algum momento de nossa vida e realmente refletir sobre a resposta. Viver ou sobreviver: qual a diferença?

Confesso que eu nunca tinha parado para pensar tão profundamente sobre o tema até que, pasmem, assisti ao filme Wall-E. Um desenho animado muito bem feito com um roteiro simples, mas profundo na mensagem que deseja passar. Afinal, é a Terra afundada em lixo e nós terráqueos indo viver literalmente no espaço e levando uma vida bem desinteressante. Resolvi alugar o filme com a idéia de ter um entretenimento leve em um sábado à noite. Porém no meio do filme uma frase dita por um dos personagens me fez sair daquela leveza e mergulhar em um mar de profunda reflexão. Ele simplesmente diz: “eu não quero sobreviver, quero viver”. Pois é. Foi daí que nasceu minha vontade de buscar compreender o significado de cada coisa. Meu primeiro passo, claro, foi pesquisar no dicionário.

Sobreviver, segundo Michaellis é continuar a viver depois de outra pessoa ter morrido... É subsistir depois da perda ou ruína de alguém ou alguma coisa. É escapar de... Subsistir após. Já a definição de viver é existir, é ter vida. É freqüentar a sociedade, ter convivência. Qual lhe parece mais interessante? Pensou? Bom, para mim, viver me parece ser a melhor resposta. Agora, qual lhe parece ser a mais fácil? Bem, tenho que dizer que me parece sobreviver. É ao menos a mais cômoda, a mais segura, aquela em que acreditamos ter mais controle. E nessa tentativa de controlar nossas vidas vamos sobrevivendo. E sem nos darmos conta de que com isso viramos quase robôs, seres que não se emocionam, não se relacionam. Seres que não vivem. Seres com vidas tão desinteressantes quanto a dos personagens humanos de Wall-E que vivem no espaço após terem destruído a Terra com tanto lixo e poluição.

Isso me fez lembrar de uma pessoa que conheci e com quem convivi por muitos anos. Todos os dias para ela eram iguais, sempre a mesma rotina, e era justamente isso que a fazia sentir-se, aparentemente, feliz. Enquanto uns buscam uma vida cheia de emoção, ela buscava uma vida segura, uma vida controlada. Como se fosse possível viver livre de riscos ou incertezas. Mas era nisso que acreditava. Todos os dias ela acordava e como primeira tarefa ia direto para o computador para verificar a previsão do tempo. Informação importante, claro, para quem quer saber exatamente o que vestir. Com esta preciosa informação em mãos, ela se preparava para sair de casa. Mas não sem antes checar também as condições do trânsito pela internet. Com isso poderia escolher o melhor trajeto, o mais seguro, livre de tráfego intenso. Alias tudo que era intenso, evitava. Sua vida era tão programada quanto a vida de um robô. O que ela não entendia é que as melhores coisas da vida não são previsíveis. Pelo contrario, é justamente a imprevisibilidade, a surpresa que tornam o nosso viver mais interessante. Do contrário, vamos apenas sobrevivendo a tudo e a todos.

Um dia não resisti e perguntei a ela: Qual a graça de se levar uma vida monótona, programada, planejada, asseada? Qual a graça de não experimentar a chuva molhando seu rosto? Porque não experimentar a alegria de uma vez passar a noite acordada só para ver o sol nascer? Pronto. Virei a voz do apocalipse. Ficamos um tempo sem nos falar, mas hoje somos grandes amigas e ela já começou a dar seus primeiros passos rumo a uma vida mais livre, mais leve, mais humana. Hoje ela já consegue sair de casa sem checar a previsão do tempo. Mas continua carregando sempre um guarda-chuva e um casaco independente dos 40 graus que estão fazendo na cidade. Tudo bem, digo para ela. Um passo de cada vez. Mudanças levam tempo. O importante é começar.

Pois é, Wall-E pode ter sido para muitos apenas um filme bobo e de criança, mas para mim foi muito mais do que isso. E assim como aquele personagem, eu não quero sobreviver. Quero viver. E você?